quarta-feira, 11 de julho de 2007

O Socialismo Petista e o 3º Congresso

Renata Rossi*

Acompanhando as discussões acerca do tema Socialismo Petista, é curioso observar como este tornou-se lugar comum. Entretanto, antes de significar uma ampla identidade com a proposta de construção de uma sociedade socialista, o que se vê é uma generalização pouco criteriosa e mitigada pelos inúmeros adjetivos, ressalvas e ponderações sobre o que seria fruto de uma revolução na qual estariam em lados opostos classes sociais antagônicas com interesses irremediavelmente distintos.
Carlos Nelson Coutinho traz um debate interessante a partir de um pensador francês do século XVII - La Rochefoucauld – segundo o qual a "Hipocrisia é homenagem que o vício presta à virtude".
A hipocrisia, no nosso caso, estaria no uso generalizado e pouco consusbistanciado do termo socialismo – que deveria ser exatamente nossa virtude - e na sua utilização sem a menor dose de cautela e rigor que o termo requer sobretudo se o mesmo deve, em sua essência, representar alternativas reais de construção de uma sociedade baseada em valores diferentes dos que vivemos.
Repetimos com maior ou menor ênfase, a importância do debate acerca do nosso horizonte estratégico mas não guardamos, entre nossas fileiras, a devida coerência prática que esta audaciosa proposta revolucionária nos sugere.
Defende-se hoje, de modo mais enfático, valores republicanos do que propriamente valores e práticas socialistas. Apresenta-se mais os mecanismos para humanizar o capitalismo do que estratégias de ruptura com os modos de produção que o caracterizam. Fala-se em "socialismo pestista" mas esquece-se da palavra revolução – ou quando utilizada, assim como a palavra socialismo, vem sempre adjetivada como forma de amenizar a força que está por detrás da proposta concreta de ruptura com a exploração, com a burguesia, com a acumulação de riquezas e com a proposta de construção uma outra sociedade.
Uma sociedade na qual caberá a cada um conforme suas necessidades e as suas possibilidades. Uma sociedade na qual a liberdade individual será submetida aos interesses de um coletivo dos sujeitos históricos.
Liberdade, a igualdade e a democracia são hoje, inclusive para nós, valores fundamentais. Entretanto, transforma-se a referência a noções como socialismo e democracia em peças de retórica, e pagamos todos, um preço alto por jogar para debaixo do tapete as condições necessárias para a superação dos modos de produção capitalistas e seu aparato ideológico. Permitimos que a burguesia se aproprie de nossas palavras de ordem e as transforme a tal ponto que não mais as reconhecemos. Observamos, entorpecidos, a incorporação de táticas e da estratégia que menos exige esforços de rompimento com as condições materiais historicamente determinadas em nossa sociedade. Registramos a rejeição do debate de fundo, da crítica e da problematização de temas tão caros à sociedade, transformando-os em tabus diante da hegemonia burguesa.
É preciso debater profundamente e construir novas posturas e abordagens para estes temas. Somente assim, podemos começar a pautar, franca e consistentemente as possibilidades reais de construção de uma nova sociedade.
Finalmente, se o socialismo pode vir a ser a nossa virtude, não podemos cair na armadilha do vício que revela, de maneira implacável a hipocrisia que deturpa as mentes e confunde os corações daqueles que tem diante de si um horizonte muito claro, cujo caminho não permite mediações de qualquer natureza.

*Artigo publicado na Tribuna de Debates

terça-feira, 3 de julho de 2007

Tudo como dantes. Ou pior

Valter Pomar e Iriny Lopes

A maioria da Câmara dos Deputados derrotou o sistema de voto em lista fechada. Rejeitou, noutra votação, o sistema de voto denominado "flexível".
Como decorrência desta dupla votação, o financiamento público das campanhas eleitorais fica prejudicado. Mesmo que alguns digam que uma coisa (financiamento público) não implica na outra (voto em lista), a verdade é que sem voto em lista (fechada ou flexível), a introdução do financiamento público tornar-se-ia uma aberração.
Ou estaríamos misturando financiamento privado com financiamento público; ou estaríamos destinando dinheiro público a campanhas individuais, feitas com base no sistema nominal.
Já a proposta, que conta com apoio na bancada do PT, de garantir financiamento público para candidaturas majoritárias, liberando o financiamento privado apenas para candidaturas proporcionais, pode ter como efeito colateral aumentar os recursos disponíveis para que empresas privadas corrompam parlamentares.
O resultado da votação na Câmara dos Deputados confirma, mais uma vez, a incapacidade que o atual Congresso tem de reformar-se, mesmo que minimamente. E reforça a idéia de que apenas uma Constituinte exclusiva será capaz de fazer uma reforma política e as outras mudanças institucionais que o país precisa.
Reforça, ainda, uma obviedade: sem pressão popular, não há mudanças progressistas.
A votação na Câmara revela, ademais, que a "coalizão de governo" não serve para dar governabilidade, ao menos quando se trata de implementar mudanças no status quo. Mesmo que o governo tivesse se empenhado mais na votação, ainda assim o resultado não teria sido muito diferente. A verdade é que, entre os partidos que integram a coalizão, há um segmento conservador cujo compromisso com o governo Lula é limitado aos "bônus". Aí está, para demonstrar isto, os casos da emenda 3 e da desapropriação de terras onde há trabalho escravo.
A derrota do voto em lista e a provável derrota do financiamento público reafirmam, ademais, o óbvio: quando o PT se divide, a derrota é certa, ao menos quando estão em jogo os interesses democráticos e populares.
Nesse sentido, é preciso deixar bem claro: os parlamentares petistas que defenderam publicamente o financiamento privado e o voto nominal, qualquer que tenha sido o seu comportamento objetivo no processo de negociação e durante as votações, ajudaram a derrotar uma reforma progressista.
O que muda pós-derrota? Na melhor das hipóteses, nada. E isto já é extremamente grave.
Pois se tudo continua como dantes, então continuará vigente o atual sistema, de financiamento privado (ou seja, de corrupção institucionalizada); a política, os políticos e os legislativos continuarão, aos olhos de parcela importante da população, numa espiral de desmoralização; as forças de direita continuarão tendo maiores chances de manter sua hegemonia nos parlamentos; os partidos de esquerda continuarão submetidos a dupla pressão da fragmentação (cada mandato, um pequeno partido) e da corrupção.
Na pior das hipóteses, podemos assistir a uma mudança para pior. Pois a derrota do voto em lista abre espaço para uma reforma política reacionária (com introdução do voto distrital e facultativo).
Num caso ou noutro, fechou-se o que seria o caminho mais fácil, para quem pretendia aumentar a democracia, favorecer uma governabilidade pró-mudanças, alterar a correlação de força dos parlamentos e ajudar numa vitória da esquerda em 2008 e 2010.
Agora, mesmo para os maiores entusiastas da via exclusivamente institucional, fica cada vez mais claro que é prioritário investir na organização do PT, na retomada dos laços com os demais setores da esquerda política e social, na organização e mobilização das camadas populares, no deslocamento para a esquerda do governo Lula.
Esperamos que esta caminho seja consagrado no terceiro congresso do Partido.
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Valter Pomar é secretário de relações internacionais do PT
Iriny Lopes é deputada federal (ES) e secretária de Formação Política do PT